A Pietà (do italiano Piedade) é uma das obras mais famosas de Michelangelo Buonarotti (não, não é a tartaruga ninja), um daqueles magníficos artistas da renascença que pintavam, esculpiam, compunham poemas, e nas horas vagas ainda faziam experimentos astronômicos, científicos, arquitetônicos e filosóficos (hoje em dia, "artista" só canta em programas de televisão e comerciais, e sequer compõem as próprias canções :>P). Ela está localizada atualmente na Ala Leste da Basílica de São Pedro, dentro do estado do Vaticano. A Pietà simboliza a dor de Maria pela morte de seu filho Jesus Cristo (sabe? aquele que os Beatles ofuscaram??), e por extensão a dor e a impotência da humanidade frente à morte e perda dolorosa de um ente querido.
A escultura é, provavelmente a mais bem acabada do artista, e uma das jóias do período artístico conhecido como a Renascença, por volta de 1492, ano em que foi encomendada. Apesar da cena de sofrimento retratada primar pelo idealismo em detrimento do realismo - vide as expressões faciais serenas dos retratados, a despeito da intensidade da situação -, uma característica das obras do período, sua mensagem permanece até hoje clara e poderosa, bastando se postar de frente para a obra por alguns momentos para se sentir inundado de consternação e comoção pela cena. A empatia é imediata, dizem aqueles que já tiveram esse privilégio. Sua composição básica é triangular, um dos arranjos favoritos dos artistas do período na montagem de suas obras, e a textura alcançada pelo mármore polido impressiona até os dias atuais. Até mesmo a proporção desigual entre Cristo e sua mãe é um elemento deliberado, que evidencia a benevolência e a acolhida da mãe ao filho morto. Repito, uma imagem poderosa.
A Pietà vista de cima
A disposição em forma de triângulo era frequente nas pinturas renascentistas
Agora avancemos alguns séculos no tempo, mais especificamente ao século XX. Não sabemos exatamente em qual publicação isso começou, ou exatamente quando, mas foi por meio de uma expressão artística típica deste século, conhecida como História em Quadrinhos, que alguém decidiu fazer uma releitura da Pietà e aproveitar toda a força que a cena transmite nessas pequenas peças de ficção, essas revistinhas cheias de desenhos coloridos (ou não) e balões com diálogos (ou não rs). Talvez a intenção fosse aumentar a verossimilhança, dar um pouco de credibilidade a essas historinhas tão fantasiosas, ou talvez o artista achasse simplesmente que seria uma capa impactante a se destacar das outras revistinhas nas bancas de jornais. O mito das Pietà Covers foi aumentando de proporção com o passar dos anos, e hoje se perdeu a conta de em quantas capas a obra de Michelangelo foi referenciada, ao ponto da origem quase se perder com o passar das gerações. Mas a gente não iria deixar isso acontecer. Esse post é um modesto resgate histórico, para que nenhum amiguinho passe vergonha nas rodinhas de conversa achando que é tudo referência àquela capa de Crise nas Infinitas Terras ou A Morte da Fênix Negra, dos X-Men. Agora vocês sabem coisa vai bem mais longe, pessoal...
Desde os tempos mais primórdios...
... as Pietá Covers tão aí, tão aí, tão aí...
E ao contrário do que pensávamos...
... não se restringem apenas às HQs de super-heróis.
Alguns mais maldosos dizem que a Marvel não tem clássicos...
Mas têm uma tonelada de referências à Pietá, que é quase tão bom quanto.
Ou não???
Agora, preciso ser honesto e admitir que a idéia pra esse post surgiu de comentários a respeito de uma foto postada no Instagram da Zona Negativa. Eu havia postado três capas dentre as que eu tenho em minha coleção de HQs, e conversa vai, conversa vem, um leitor joga o termo Pietà Covers na roda! Na mesma hora, bateu aquela vontade de fazer uma pesquisa a respeito, mostrando as capas mais conhecidas, desenterrando algumas nem tão conhecidas e por fim fazendo um breve post sobre esse fenômeno interessante, releitura após releitura, após releitura... depois de quase um ano procrastinando, aqui estamos nós finalmente rsrsrsrs... Meus agradecimentos pela dica ao Leitor Anônimo, cujo nome foi perdido nas areias do tempo e nos grupos de HQs do Facebook. Um monumento será erigido a vós!
São tantas capas fazendo referências umas às outras...
... que eu confundi. Pronto, essa é a clássica!
A capa da morte da Fênix... desculpe, falha nossa...
... Ô droga, errei de novo, é o inverso!
AGORA SIM!
Se tem alguém que adora morrer...
... só pra ser carregado pelo Bátemã...
... é o Robin.
... mas de vez em quando rola um troca-troca...
Troca...
Troca...
Troca...
Troca...
Volta!
Enfim, eu poderia continuar o resto do dia postando dúzias de Pietà Covers aqui. O original é um imagem forte, não há duvidas, e não à toa é uma das imagens mais reproduzidas das artes, e em especial dentro da cultura pop. Se vocês encontrarem alguma Pietà cover interessante que não entrou no post e seja digna de menção, fiquem à vontade para colocar nos comentários lá embaixo! Ciao!!!
No
último dia 16 de julho o mundo perdeu George A. Romero, um dos maiores e
mais importantes nomes do cinema. O diretor que definiu a mitologia
dos zumbis como conhecemos hoje, influenciou e continua influenciando
cineastas mundo afora. Nesses momentos, o que mais se vê são
homenagens dissecando a sua obra: sua filmografia comentada,
indicações sobre “o que você precisa saber”, listas definitivas
dos filmes que você não pode deixar de ver, etc. No entanto, no
meio de tanta obviedade, nós do Zona Negativa resolvemos fazer uma
homenagem um pouco diferente. Ao invés de comentarmos suas obras, ou
falar sobra sua influência, ou indicar seus filmes, resolvemos falar
do livro que foi a pedra fundamental que ajudou o diretor a
desenvolver o conceito de morto-vivo apresentado em seu “Night of
The Living Dead” (A Noite dos Mortos Vivos) de 1968. Se você já
gostou de algum filme ou série envolvendo morto-vivo/zumbi, agradeça
a estes dois homens: George A. Romero e, antes dele, Richard
Matheson.
EU sou a lenda
Richard Matheson
Mas
quem é esse autor e que obra é essa que influenciou tanto Romero?
Richard Matheson, além de muitos romances e contos, flertou bastante
com o cinema e a TV. Escreveu, por exemplo, alguns episódios da
série clássica Twilight Zone (Além da Imaginação) e para a série
Night Galery (ambos de Rod Sterling). Algumas de suas obras se
transformaram em filmes. Dentre elas, podemos destacar "A Casa
da Noite Eterna", de 1973 com o nosso macaco Cesar preferido,
Roddy McDowell;
Além
disso, escreveu o livro sobre viagem no tempo+romance, “Bid Time
Return” que foi adaptado para o cinema em 1980 com o nome “Somewere
in Time” (Em Algum Lugar do Passado), protagonizado pelo Superman
que vale, Christopher Reeve.
Richard
Matheson lançou em 1954 "Eu Sou A Lenda" (sim, aquele mesmo que deu
origem ao filme com o Will Smith). O livro se tornou logo um
grande sucesso e, além da adaptação de 2007 (que previu que o
mundo com o filme Batman v Superman seria caótico e sem esperanças)
recebeu outras duas adaptações.
Seria essa a origem da praga na adaptação de 2007?
A
primeira foi "Mortos Que Matam" (The Last Man on Earth) de
1964, com um dos mestres do terror, Vincent Price. O filme tentou,
em muitos pontos, ser bastante fiel ao livro. No entanto, toda a
essência do personagem pareceu se perder, além de a história se
desenvolver de forma bastante arrastada, muito diferente do clima do
livro, que em nenhum momento nos dá essa sensação.
Em
1971 estreia “The Omega Man” (A Última Esperança da Terra).
Para quem reclama que os filmes com o Will Smith acabam sempre se
tornando um filme do Will Smith (sempre iguais), saiba que antes dele
existia Charlton Heston. Mesmo sendo um grande canastrão que parece
estar sempre interpretando mesmo papel, o presidente da NRA
(Associação Nacional do Rifle), está do jeito que se sente mais a
vontade: atirando para todos os lados. Em alguns momentos, parece
mais como uma propaganda de armas inserida no meio do filme. Com um
sorriso no rosto, mostrando que estava de certa forma, se divertindo
com tudo aquilo, Charlton Heston entrega uma atuação “mais do
mesmo” em um filme sem alma. Ok, admito que esse comentário pode
ter uma boa dose de implicância minha. Assista e tire suas próprias
conclusões.
No
livro "Eu Sou a Lenda", entramos na vida de um homem que se
vê solitário num mundo em que todos foram contaminados por alguma
praga desconhecida. Seu nome é Robert Neville. O personagem perdeu
todos os seus amigos, parentes, esposa e filha e se vê no mundo em
que as pessoas foram infectadas por um vírus desconhecido e estão
retornando da morte, sedentos por sangue. De alguma forma que Neville
não entende, ele é imune àquela "contaminação".
A
princípio imagina que todos haviam sido transformados em vampiros,
pois o comportamento das pessoas remete às lendas que giram em
torno do morador mais conhecido da Romênia: só aparecem durante a
noite, o alho os afugenta e só morrem com uma estaca de madeira
enfiada no peito. Com o passar do tempo, constata que não são
necessariamente vampiros, pois algumas coisas passam a não fazer
muito sentido. As pessoas se movimentam de uma forma em que ficam
todos vagando de maneira lenta e desordenada, buscando alimento e
agindo por instinto ao sentir o cheiro de sangue; momento este em que
atacam em grupos, se comportando como lobos em uma matilha. Para
melhor conceituar a leitura, apesar de o comportamento dessas pessoas
ser hoje facilmente identificado como sendo o de zumbis, na época
esse conceito ainda não existia.
Numa
narrativa que vai avançando para níveis cada vez mais
claustrofóbicos, num ritmo ágil em que a sensação de perigo
iminente está presente o tempo todo, Richard Matheson vai nos
levando para dentro da psique do personagem, numa espiral descendente
de insanidade. Recluso em sua casa a maior parte do tempo, sem ter como
sair após o sol se pôr e imerso em uma vida solitária, estaria o
Robert Neville ficando louco (e nos levando junto), ou o mundo todo
se transformou? Vamos descobrindo e entendendo essa realidade junto
com o personagem. Sua ansiedade e medo vão nos contaminando e nos
jogando no centro de suas paranóias. Sua luta pela sobrevivência
passa a ser a nossa luta também.
Durante
a leitura, é como se o livro te pegasse pela mão, vendasse os seus
olhos e te conduzisse por algum lugar desconhecido e cheio de perigos
pelo caminho. Em alguns momentos, podemos sentir o desespero,
angustia e pavor do personagem.
De
todas as adaptações da obra de Richard Matheson, quem mais soube
aproveitar os elementos e criar algo novo e com identidade própria,
foi George A. Romero, que fincou os alicerces e abriu um novo gênero
a ser explorado. Se quiser entender as origens do conceito de zumbi
inserido e disseminado na cultura pop, essa é a obra seminal.
Agora
tranque as portas e janelas, mantenha as luzes apagadas e tente não
fazer movimentos bruscos para não ser localizado pela horda de
mortos-vivos que estão te esperando do lado de fora.
O que se percebe imediatamente ao olhar a capa de Fragmentos do Horror - fora a referência à pintura O Grito, de Edvard Munch - é a expressão que a figura que ilustra a capa ostenta. O rapaz com a expressão de horror vazio, um sentimento que ultrapassou o pavor absoluto e acabou por penetrar na catatonia e na reclusão dentro de si mesmo frente a um horror intenso demais para ser processado racionalmente. Isso resume bem o infortúnio dos personagens de Ito em suas histórias. Conhecido pelos mangás Gyo e o já clássico Uzumaki, o autor japonês é conhecido por suas histórias de horror grotesco, e podemos inferir que Junji Ito é mais um filho espiritual de H. P. Lovecraft, pagando tributo ao autor com sua obra saturada de influências do escritor norte americano, e carregando a bandeira do horror cósmico nos dias atuais.
O pai orgulhoso e sua cria pavorosa
A Darkside Books, dando continuidade à sua linha Darkside Graphic Novel, continua a publicar obras de horror - o território onde a caveirinha manda! - porém com foco nas histórias em quadrinhos/mangás. E nessa primeira leva, inaugurando a linha, entre outros títulos, temos Fragmentos do Horror, a segunda publicação de Junji Ito no Brasil após bastante tempo sem lançamentos do autor (a Conrad publicou Uzumaki no Brasil em meados da década passada).
E como a Darkside Graphic Novel debutou bem! Fragmentos do Horror é uma coletânea de oito contos macabros do
mestre do horror japonês. São oito histórias onde Junji Ito
explora o horror psicológico, thrillers sobrenaturais e muito, mas muito gore! Além é claro, de horror nonsense, inclassificável, porque afinal é dos japoneses que estamos falando aqui heheheh...
Uzumaki, um mangá onde os monstros são... espirais????
Os contos são:
Futon: um jovem leva dias inteiros sem sair debaixo do seu
cobertor. Ele jura que a casa está cheia de criaturas bizarras determinadas a pegá-lo.
Monstro de Madeira: uma mulher chega a uma magnífica
casa antiga de madeira e pede aos residentes, um pai e sua filha, para ficar uma temporada, sob o pretexto de estudá-la. Logo
descobrimos que sua paixão pela casa vai além do interesse arquitetônico...
Tomio Gola Rolê Vermelha: Um casal em crise
recorre a uma vidente para auxiliá-los em seu relacionamento. Após uma noite de
romance com a bruxa, Tomio - nosso garoto propaganda da capa do mangá! - descobre que uma estranha maldição paira sobre
ele...
Suave Adeus: uma jovem, após o casamento, vai viver na casa da família
do noivo, onde conhece seus sogros e outros familiares. Porém, a menina
logo descobre que a família esconde um grande segredo...
Dissecação-chan: uma jovem, obcecada desde criança a
dissecar coisas, tem por desejo ser dissecada ainda viva. Ela fará de tudo para
realizar seu objetivo...
Pássaro Negro: um rapaz perdido na mata por semanas é resgatado e levado ao hospital. Lá, ele relata ao jovem que o encontrou que uma presença misteriosa
lhe dava comida na boca todos os dias. À medida que os dias passam, o jovem
vai desvendar o que era essa estranha criatura...
Magami Nanakuse: uma jovem leitora é completamente obcecada com
os romances da autora Magami Nanakuse, a ponto de contatar a escritora
para saber se pode visitar sua casa. A autora concorda, mas a jovem fã não
sabe o segredo que a romancista esconde para ter a inspiração necessária para criar suas obras...
A Mulher que Sussura: a história de uma menina
rica, que devido a um trauma é incapaz de tomar qualquer decisão sozinha. Seu pai precisa contratar alguém que sempre fique
ao seu lado para lhe orientar continuamente sobre o que ela tem que fazer, porém a carga de trabalho faz com que as acompanhantes da menina sempre se demitam, exaustas. Um dia, finalmente
seu pai consegue contratar uma empregada com quem ela passa os dias. Algum progresso na condição da menina começa a ser observado, até que
a situação toma rumos inesperados...
Fragmentos do Horror é uma boa porta de entrada para quem, como eu, não conhecia esse mestre do horror. O mangá
é um bom começo para iniciar o leitor para as outras obras do
autor, que são ainda mais desconcertantes e perturbadoras. Imagens e conceitos extremamente bizarros, que podem causar traumas e
pesadelos recorrentes aos mais sensíveis...
Segundo o posfácio no final da edição, o autor, em um
ataque de modéstia, disse não serem essas as suas histórias mais
inspiradas, após retornar de um hiato produzindo nada além de um mangá sobre... gatos (?!?!?!). Eu,
pessoalmente, com exceção do filme que adapta Uzumaki, nunca li nada de
Junji Ito até pôr as mãos em Fragmentos do Horror. Se ele considera o que produziu para essa coletânea como "fraco",
espero que a Darkside lance o que Ito considera seus trabalhos mais
pesados por aqui. Eu já virei fã: a temática perturbadora de suas histórias e sua arte, que difere dos mangás tradicionais sem perder a identidade dos artistas pop orientais, parecem ter sido feitas sob medida pro meu coraçãozinho negro, e a julgar pelas imagens aleatórias abaixo, de outros mangás dele, acho que vou fazer uma petição pra ver se a Darkside publica Uzumaki, Gio ou Tomie por aqui o quanto antes... vamos nessa???
Enfim, ficam aqui meus agradecimentos (mais uma vez!) à Darkside Books, por trazer esse material sensacional, que vai satisfazer os fãs mais ardorosos de horror... e deixá-los implorando por mais! Fragmentos do Horror pode não ser a obra mais impactante de Junji Ito, mas, para mim serviu para ficar de olho vivo no material desse autor e agarrar sem medo os próximos a serem lançados por aqui!